A Dor da Rejeição e o Desejo de Pertencimento
- Mirian Dadoorian
- 22 de jun. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 26 de jun. de 2024
O que a história do Patinho Feio nos conta sobre isso.

O Conto do Patinho Feio
O conto começa com uma pata chocando seus ovos, mas um deles era diferente e, depois de algum tempo, esse ovo choca e nasce um patinho totalmente estranho comparado aos outros filhotes. Ele era considerado feio por todos e passou a ser torturado pelos animais da fazenda. Mesmo assustada com a aparência do patinho, a pata tentou protegê-lo de quem o atacava, mas em dado momento ela não suportou a pressão ao redor e desistiu, falando pro patinho que seria melhor que ele fosse embora.
O patinho, muito triste, sentindo-se humilhado e rejeitado, foi embora e começou a vagar, na tentativa de encontrar algum lugar onde fosse aceito. Passou por diversos perigos, indo de casa em casa, lago em lago e sofrendo muitas violências por onde passava, por conta de como era visto negativamente pelos outros.
No fim do outono, estava em um lago e viu aves grandes e corpulentas voando bem alto no céu, as aves mais lindas que ele já tinha visto. Eram cisnes! Eles gritaram para cumprimentá-lo e o patinho gritou de volta, ouvindo sua voz com uma força como nunca havia escutado. Ficou encantado por aquelas aves e sentindo um amor muito forte dentro de si. Elas seguiram voando e ele as perdeu de vista.
Nisso começou um longo inverno onde encarou muito frio e ainda mais perigos. Lutou com todas as suas forças para sobreviver, mas acabou ficando preso no gelo. Outros patos selvagens chegaram perto, mas ao verem o patinho, não quiseram salvá-lo, pois achavam que ele merecia ser deixado para morrer por conta da sua estranheza. Um lavrador passa pelo local e resgata o patinho do gelo e o leva para sua casa. Seus filhos tentam cuidar dele, mas o patinho, muito assustado, fica atordoado, desajeitado, não consegue se adaptar na casa e acaba fugindo. Já estava quase sem forças para continuar vivo, mas seguia persistindo nesse ciclo de vida e morte e em busca de acolhimento.
Quando o inverno começa a passar e chega a primavera, o patinho estava em um lago e notou que suas asas estavam grandes e fortes. Decidiu voar e viu belas paisagens e em outro lago mais adiante, lá estavam as mesmas criaturas maravilhosas que tinham lhe encantado no outono. Sentiu um impulso muito forte de ir até elas, mesmo com medo de ser rejeitado novamente.
Assim que os cisnes lhe viram, nadaram em sua direção. O patinho sentiu muito medo e pensou que seria morto por eles. Nesse momento, abaixou a cabeça para esperar o golpe e, quando fez isso, viu na água a imagem de um belo cisne, com plumagem branca e olhos escuros.
O patinho não se reconheceu de imediato, porque era exatamente igual aos belos estranhos que tanto lhe encantaram. Descobriu-se que um ovo dos cisnes havia rolado para o ninho da pata. Assim que compreendeu que ele não era um patinho feio, mas sim um cisne forte e deslumbrante, conseguiu sentir-se acolhido e pertencente à sua verdadeira família, sentindo todo cuidado, afeto e paz interior que sonhou por tanto tempo.
A dor da rejeição que nos acompanha
Todos nós, de maneiras diferentes, vivenciamos a dor de nos sentirmos rejeitados e inadequados em algum momento da vida. Infelizmente essa sensação pode se apresentar muito cedo, desde o nosso nascimento, quando não recebemos o acolhimento que esperamos da nossa família de origem. Em situações como essa, nosso senso de identidade, valor e autoestima podem ficar bastante prejudicados, refletindo em nosso comportamento futuro, mesmo que tenham se passado vários anos.
Não é incomum que as pessoas que vivenciam essa dor de forma muito profunda acabem aceitando migalhas nas relações, não aprendam a colocar limites, desconheçam seus potenciais e acabam se distanciando cada vez mais de si, pois seu valor sempre estará vinculado a como os outros lhe enxergam.
Podemos sim, estabelecer conexões com grupos aos quais não pertencemos, mas fazer isso a todo custo, pensando que se agirmos "corretamente" seremos aceitos, acaba por destruir gradativamente a conexão com nossa essência interior.
Quantas vezes tentamos nos moldar aos padrões impostos pela sociedade, cultura e nosso círculo mais íntimo?
Quantos silenciamentos ocorrem quando uma pessoa pensa diferente da maioria?
Quanta energia é desperdiçada tentando parecer alguém que não é, apenas para se sentir aceito?
Quanto violência sofremos apenas por não atendermos às expectativas alheias, às vezes da própria família?
Fugir da dor causada pela sensação de rejeição pode ser tentador, mas não é o melhor caminho, pois sem encararmos esse desconforto que sentimos, não teremos como entender suas origens e muito menos, transformá-lo internamente. Viveremos cambaleando como o patinho em sua jornada, perdido em tanto sofrimento.
O isolamento como dádiva e o poder da persistência
O incômodo causado pela sensação de não pertencimento pode nos levar ao isolamento, mas esse isolamento não precisa ser necessariamente ruim pois, com ele, será possível refletirmos sobre o que nos faz bem de fato, o que não faz, como gostaríamos de viver e quais limites devem ser aprendidos para construir a vida que desejamos.
Caso nunca paremos para olhar pro nosso interior e emoções, continuaremos sem perceber o nosso valor, as nossas vulnerabilidades, dores e anseios. Simbolicamente, podemos acabar caindo no gelo, como o patinho, ficando à beira da morte. A morte da criatividade, a morte dos sentimentos, a morte da vida interior. O congelamento é estéril, nada cresce no gelo e é preciso calor, fogo, energia, para sairmos desse estado.
Para quebrarmos o gelo, precisamos nos manter em movimento. O que está em movimento não congela e contar com a ajuda externa pode ser crucial em um momento como esse. Mesmo que essa ajuda seja pontual, como um estranho que cruza nosso caminho e traz um amparo ou algo mais profundo como um processo terapêutico, precisamos nos colocar abertos a aceitar esse auxílio e assim podermos sair do congelamento emocional.
A persistência que o patinho teve em toda a sua jornada, foi o que lhe manteve vivo, apesar de todas as dificuldades apresentadas. Essa persistência é a força mobilizadora dentro de nós e ela é abastecida pelas boas relações que nutrimos, pelos nossos sonhos, boas lembranças do que vivemos, como a bela imagem dos cisnes voando que tanto emocionou o patinho. Precisamos nos manter em movimento, mesmo que não saibamos exatamente o nosso valor e nem qual caminho seguir.
É no percurso que vamos aprendendo, amadurecendo e colhendo informações sobre nós mesmos e sobre a vida que desejamos viver.
Mesmo que nosso isolamento seja causado por fatores externos, violências familiares ou culturais, preconceitos e incompreensões, é a persistência que leva ao próximo passo. A lembrança de que a natureza e, por conseguinte, a vida, é cíclica é o que reacende essa esperança. Tudo está em mutação e sempre há uma primavera após cada inverno!
A potência de aceitarmos a nós mesmos
Quando começamos a olhar para nós mesmos e vamos reconhecendo quem somos, nossas virtudes e também os nossos defeitos, iniciamos também o processo de aceitar a nossa essência e nos apropriamos da nossa história para continuar seguindo em frente.
No ensinamento final da história do patinho, sua beleza e identidade são percebidas pelos outros cisnes antes mesmo dele. Todo o percurso feito até chegar a esse momento gera nele desconfianças, medos e incertezas, mas aos poucos, confiando na dinâmica da vida, isso vai se dissolvendo, até que é possível se reconhecer como um belo cisne e aceitar os elogios e afagos dos seus pares e dos outros ao redor.
Quando percebemos a nossa individualidade e a própria identidade, precisamos aceitar também a nossa beleza e forma da nossa própria alma. Esse reconhecimento se dá aos nos depararmos com nossas vulnerabilidades e fortalezas buscando integrá-las, seguindo o processo de amadurecimento e conexão interior que nos motiva e direciona. Assim, já não ficamos mais presos às opiniões e julgamentos externos e podemos nos aproximar de quem realmente somos.
Mesmo que sejamos diferentes, continuamos sendo dignos de pertencer à nossa turma e receber amor!
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